A morte de John Lennon reconstituída: Remember!
Ano passado, nos 30 anos do assassinato de John Lennon, optei por fazer a reconstituição daquela noite de 8 para 9 de dezembro de 1980 para dar um contraste com as matérias elogiosas e analíticas que vinham sendo publicadas. Republico o texto pelos 31 anos da perda do meu beatle favorito com o acréscimo de seu vídeo de Natal, uma das mais contundentes mensagens de fim de ano que conheço e um alerta de que há muita coisa errada neste mundo. Nunca poderemos ter um Natal realmente feliz enquanto fatos como estes mostrados no video acontecerem.
Em frente ao edifício Dakota - 1 West 72nd Street, Central Park West
Ato I
Pouco depois de meia-noite do dia oito para o dia nove de dezembro de 1980, o doutor Stephan Lynn, chefe da emergência do Hospital Roosevelt, na esquina da Nona Avenida com a Rua 59, em Nova York, saiu para falar com o batalhão de jornalistas aglomerado do lado de fora.
- John Lennon foi trazido num carro de policia para o pronto socorro do Hospital Roosevelt esta noite, pouco depois das 23 horas. Ele estava morto ao dar entrada. Extensos esforços para ressuscitá-lo foram feitos mas, a despeito de transfusões e outras medidas, não foi possivel salvá-lo. Ele tinha sete ferimentos a bala no braço esquerdo, no peito e nas costas. Houve danos significativos nos principais vasos do peito que provocaram maciça perda de sangue, o que provavelmente resultou na sua morte. O óbito foi declarado às 23h 07m.
Às duas da madrugada, o porta-voz da policia, James T. Sullivan, falou com centenas de jornalistas apinhados na sala de imprensa do 20º distrito na Rua 82 Oeste.
- Pedimos que viessem para dar um breve relato sobre o que sabemos até agora sobre o homicídio de John Lennon. Prendemos Mark David Chapman, residente na Rua South Kukui 55, no Havaí, pela morte de John Lennon. É caucasiano, pele bronzeada, um metro e setenta, 80 quilos, cabelos castanhos, olhos azuis, 25 anos de idade. Nascido no dia 10 de maio de 1955, aparentemente está em Nova York há mais ou menos uma semana, tendo se hospedado na Associação Cristã de Moços e no Sheraton Centre. Ele esteve rodeando o prédio Dakota nos últimos dias e conseguiu obter um autógrafo num disco do sr. Lennon quando este saía para o estúdio. Permaneceu no Dakota de noite esperando que o sr. Lennon voltasse. Pouco antes das 23 horas, John Lennon e sua esposa chegaram de volta ao Dakota numa limusine, que parou na frente do edifício. Existe uma entrada de automóvel que podia ter sido usada. Os dois saíram e andaram até a arcada do Dakota. Este indivíduo, sr. Chapman, saiu de trás e chamou “Sr. Lennon”. Em seguida, em posição de combate, esvaziou o revolver Charter Arms calibre 38. O sr. Lennon gritou “Fui baleado”, subiu os degraus, empurrou a porta e caiu.
O porteiro do Dakota John Hastings, um fã dos Beatles, estava lendo uma revista pouco antes de 23 horas quando ouviu vários tiros do lado de fora e barulho de vidro estilhaçado. John Lennon cambaleou para dentro, andou vários passos e caiu, espalhando as fitas cassete que tinha nas mãos. Yoko veio logo em seguida, gritando, “John foi baleado”. Hastings apertou o alarme que chamava a policia, correu e se ajoelhou junto de Lennon. Yoko gritava pedindo uma ambulância, depois foi para junto de John e gritou “Tudo bem John. Você vai ficar bom.” Hastings tirou a gravata para usar como torniquete, mas não havia lugar para aplicar o torniquete. O sangue jorrava do peito e da boca de Lennon, seus olhos abertos e desfocados, ele tossiu vomitando sangue e pedaços de tecido. Dois carros de policia chegaram. Dois policiais prenderam o assassino que continuou no local e estava lendo o livro The Catcher In The Rye e dois policiais entraram no prédio, viram Lennon, viraram-no para avaliar os ferimentos, disseram que não dava para esperar uma ambulância e levaram-no para um dos carros, que saiu em disparada com ele e Yoko dentro.
Ato II
No dia oito de dezembro, John Lennon cortou os cabelos num estilo parecido com o de Teddy Boy do começo da carreira dos Beatles e voltou para posar numa sessão de fotos com a fotógrafa Annie Leibovitz, ilustração de uma entrevista dada à Rolling Stone no dia 5, na promoção do álbum Double Fantasy. Deu uma entrevista para a RKO Radio e, por volta de quatro da tarde, saiu com Yoko para o estúdio Record Plant de carona com a equipe da RKO porque sua limusine não apareceu. Quando ia entrar no carro, Mark Chapman chegou perto dele e estendeu uma cópia de Double Fantasy. John autografou e perguntou “É só isso que você quer?” (Chapman declarou mais tarde que pensou em matá-lo naquela hora, mas a gentileza de John o desarmou). Dai seguiu para o estúdio onde trabalhou até 10 e meia da noite na música de Yoko Walking On a Thin Ice. Yoko sugeriu que jantassem num restaurante vizinho, a Stage Deli, mas John disse que queria voltar ao Dakota primeiro. “A última coisa que ele teve na cabeça foi ver Sean antes que fosse dormir,” disse Yoko.
Ato III
Centenas de pessoas se aglomeraram na frente do Dakota assim que a notícia se espalhou, cantando Give Peace A Chance. Muitos choravam, portavam velas e bastões de incenso. Lá dentro Yoko ligou para Paul McCartney e para Mimi, a tia que tinha criado John. Ringo, que estivera com John dois meses antes, pegou um avião nas Bahamas, com a noiva Barbara Bach, para Nova York e foi direto para o Dakota. Julian Lennon, filho do primeiro casamento, veio do País de Gales. Paul McCartney, pálido e abatido, falou com a imprensa na saída do Air Studio e pediu todo apoio a Yoko. Um comunicado dele emitido mais tarde disse que as diferenças entre os dois, na reta final dos Beatles, de 1968 a 1970, eram coisas do passado e que estavam se tornando grandes amigos outra vez. George Harrison estava gravando quando recebeu a noticia. Interrompeu e foi para casa. Mais tarde, num comunicado, disse: “Depois de tudo que passamos juntos, eu tinha e ainda tenho um grande amor e respeito por John. Estou atordoado. Roubar uma vida é o roubo mais definitivo." O corpo de Lennon foi cremado dia 10 de dezembro no Ferncliff Cemetery em Hartsdale, Nova York. Não houve velório.
Ato IV
Mark Chapman alegou que vozes em sua cabeça mandaram matar John Lennon. Avaliações psiquiátricas decidiram que ele era perfeitamente são e podia ser julgado. No dia 24 de agosto de 1981, ele foi condenado a uma pena de 20 anos à prisão perpétua. No ano 2000, quando se completaram os 20 anos, ele pediu liberdade condicional pela primeira vez. Este e outros cinco pedidos foram negados. No ultimo pedido, em agosto de 2010, Chapman disse à junta de condicional que encontrou Jesus na prisão. Que está em paz, que sua vida mudou graças à experiência na prisão. “Achei que, ao matar John Lennon, eu me tornaria alguém. Em vez disso, me tornei um assassino e assassinos não são alguém,” disse ele.
A junta de condicional decidiu que o gesto “premeditado, sem sentido e egoísta de conseqüências trágicas torna sua libertação inapropriada e incompatível com o bem estar da comunidade. Libertá-lo diminuiria a seriedade de seu crime e abalaria o respeito à lei.”
Chapman está na Penitenciária de Attica, cidade no município de Wyoming, estado de Nova York. Tem bom comportamento, é auxiliar na biblioteca e recebe visita íntima anual de 44 minutos de sua mulher, Gloria Hiroko Chapman, residente no Havaí.
Coda
No dia anterior ao crime, um domingo, Chapman viu John Lennon pela primeira vez depois de dias de vigília à frente do Dakota (ele chegou a fazer um agrado a Sean Lennon, quando este saiu para passear com a babá). Ele começou a tirar fotos. Lennon não estava num bom dia, brigou e correu atrás dele para tomar a máquina. Yoko:
- Gritei para John não fazer aquilo. Ele não pegou a câmera e, quando voltou, disse “Se alguém me acertar, vai ser um fã.”
Fontes: Transcrições dos livros John Lennon A Vida - Philip Norman – Tradução de Roberto Muggiati (Companhia das Letras – 2008) e A Balada de John e Yoko – Pelos editores da Rolling Stone, tradução de Cláudio Carina (Círculo do Livro – 1983). Material de Mark Chapman garimpado na internet. Toda a discografia solo de Lennon foi relançada em edições caprichadas e está disponível nas lojas brasileiras. Para mais informações clique aqui.
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