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Continuação dos estudos sobre a gramática da Língua Portuguesa.

Definição de Regência



Regência em sentido amplo

     Dentro da estrutura frasal, as palavras são interdependentes, isto é, umas dependem de outras. Podemos assim dizer que a frase é uma seqüência de termos subordinantes e subordinados (termos que completam, modificam, estão na dependência de subordinantes).
  • o predicado é subordinado em relação ao sujeito, que é subordinante:
  • os complementos verbais são subordinados ao verbo, que é subordinante:
  • os complementos nominais são subordinados em relação ao nome, que é subordinante:
  • os adjuntos são subordinados ao nome ou ao verbo:
     Regência, em sentido amplo, é sinônimo de subordinação. 


Regência em sentido estrito

     Trata das relações de dependência entre:
  • O verbo e seus complementos. Neste caso, diz-se que a regência é verbal. Exemplo:
  •      Nos dois primeiros exemplos, a relação de dependência entre os verbos e os complementos é feita diretamente, isto é, sem auxílio de preposições. Nos dois outros exemplos, com o auxílio de preposições.
  • O nome e seus complementos. Neste caso, diz-se que a regência é nominal.
  •      As preposições desempenham papel relevante no capítulo da regência. O uso correto das preposições é um indicador seguro do conhecimento da língua.


Casos de Regência

     São apresentados a seguir casos de regência em que se verifica divergência entre o que preceitua o ensino tradicional e a realidade lingüística atual.
     A abordagem que se faz desses casos diverge consideravelmente da realizada pela maioria dos manuais de cultura idiomática, que privilegiam apenas as regências primárias, originárias, não registrando, por isso, as fortes tendências evolutivas nesta área. Dá-se atenção, nesta apresentação, às inovações sintáticas observadas na realidade lingüística atual, tendo como base as pesquisas de Luiz Carlos Lessa e Raimundo Barbadinho Neto, amplamente aproveitadas por Celso Pedro Luft em seu "Dicionário Prático de Regência Verbal".
     Na apresentação dos aspectos normativos da língua, como em qualquer apreciação de fatos lingüísticos, há que se observar o que é preferível, o que é tolerável, o que é admissível, o que é aceitável, o que é grosseiro, o que é inadmissível, deixando de lado a dicotomia elementar, o primitivismo lingüístico que observa a língua sob o prisma estreito de "certo" x "errado".


1 - Agradar (desagradar)

Sentido: Causar agrado; ser agradável.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: O professor agradou aos alunos.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: O filho agradou a mãe.
Observação:
- Este uso já era encontrado entre os clássicos.
- Esta regência explica-se por analogia com "contentar", transitivo direto.


2 - Aspirar

Sentido: Desejar; anelar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Aspirar ao cargo.
Observação: Esta é a sintaxe originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: Aspiro o cargo.
Observação:
- É uma inovação regencial sob a pressão semântica de "desejar", "querer", "pretender" - todos verbos transitivos diretos.
- Em nível culto formal, Luft recomenda a sintaxe originária.


3 - Assistir

Sentido: Ajudar; auxiliar.
De acordo com o ensino tradicional
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: O médico assiste ao doente.
Observação: Esta é a regência primitiva.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: O médico assiste o doente.
Observação: É uma evolução regencial sob a pressão de "ajudar", "auxiliar" - verbos transitivos diretos.


4 - Assistir

Sentido: Presenciar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Assisti ao filme.
Observação: Esta é a regência primária, original.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: Assisti o filme.
Observações:
- É uma evolução regencial sob a pressão de semântica de "ver" - verbo transitivo direto.
- A forma passiva "o filme foi assistido" comprova a transitivação do verbo.
- De acordo com luft, o mais que se pode é aconselhar a sintaxe original, tradicional.


5 - Chegar

Sentido: Atingir o término do movimento de ida ou vinda.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Chegou cedo à escola.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: em
Exemplo: Chegou cedo na escola.
Observações: 
- A preposição "em" é exclusiva diante da palavra "casa". Exemplo: Chegou em casa.
- No Brasil, usa-se muito a construção com a preposição "em". É, portanto, um brasileirismo. Exemplo: Quando ele chegou na porta da cozinha.
- "Já se tolera o "chegou em" na linguagem escrita". (Sílvio Elia).
- Luiz Carlos Lessa e R. Barbadinho Neto confirmam amplamente essa regência entre os modernistas.
- Mesmo assim, Luft entende que, em texto escrito culto formal, melhor se ajusta o "Chegar a".


6 - Ir

Sentido: Deslocar-se de um lugar para outro.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: para, a
Exemplos:
- Para: Quando há intenção de permanecer, de fixar residência. "Ir para Porto Alegre". 
- A: Quando há intenção de não se demorar, de não fixar residência. "Ir a Porto Alegre". 
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: em
Exemplo: Ir no colégio.
Observações: 
- A regência"ir em" é típica da fala brasileira, podendo até ser sobrevivência da língua arcaica.
- "Os portugueses dizem ir à cidade. Os brasileiros, na cidade. Eu sou brasileiro". (Mário de Andrade).
- Na fala brasileira, prevalece o emprego de "para", sobre o "a". Apesar disso, Luft recomenda o "ir a" / "ir para" na linguagem culta formal, sobretudo escrita.


7 - Morar

Sentido: Ter habitação ou residência; habitar.
De acordo com o ensino tradicional:
Preposição: "em", em todos os contextos
Exemplos:
- Moro em Porto Alegre.
- Moro na Rua da Saudade.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Preposição: Emprega-se também com a preposição "a" com o substantivo "rua", e menos freqüentemente, com outros femininos, como "avenida", "praça", "travessa", na linguagem escrita de jornal, tabelionato, etc.


8 - Namorar

Sentido: Cortejar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto
Exemplos:
- Namorar alguém.
- Namorá-lo.
Observação: Esta é a regência primitiva.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: com
Exemplo: Namorar com alguém.


9 - Obedecer (desobedecer)

Sentido: Submeter-se à vontade de alguém.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Obedeço aos pais.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: Obedeço os pais.
Observações:
- Entre os clássicos antigos, aparece como transitivo direto.
- Os modernistas também empregam esta construção.
- A passiva é vista como normal.
- Luft recomenda na linguagem culta formal a construção com objeto indireto.
- A mesma descrição vale para o verbo "desobedecer".


10 - Pagar

Sentido: Satisfazer dívida, encargo, etc.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto e indireto; objeto direto do que se paga e objeto indireto de pessoa (a quem se paga)
Exemplos:
- Paguei a consulta.
- Paguei ao médico.
- Paguei a consulta ao médico.
Observação: Esta é a sintaxe originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como objeto direto de pessoa.
Preposição: com
Exemplo: Paguei o médico.
Observação:
- Os puristas condenam esta construção.
- Segundo Luft, quando muito, pode-se dizer que, na língua escrita formal, a sintaxe "pagar a alguém", "pagar-lhe" é preferível a "pagar alguém".


11 - Pisar

Sentido: Pôr os pés sobre.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto
Exemplo: Não pise a grama.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: em
Exemplo:
- Não pise na grama.
- Pisar em ovos.
- Pisar nos calos.


12 - Preferir

Sentido: Dar primazia a.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto e indireto
Preposição: a
Exemplo: Prefiro o azul ao vermelho.
Observação: Esta é a sintaxe primária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Também ocorrem as construções "preferir antes ou mais ((do) que)".
Exemplos:
- Prefiro mais a música do que a pintura.
- Prefiro antes a música que a pintura.
Observações:
- Há abonações literárias dessa regência.
- Segunto Nascentes, "não há erro nenhum nas expressões "preferir antes ou preferir do que"".
- De acordo com Luft, "Mesmo assim, em lingua culta formal, cabe a sintaxe primária".


13 - Querer

Sentido: Ter afeto; amar; estimar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo:
- Quer a alguém.
- Querer-lhe.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como verbo transitivo direto.
Exemplo:
- Quer alguém.
- Querê-lo.
Observação:
- É inovação regencial por influência de "amar" - verbo transitivo direto.
- Para Luft, pode-se recomendar a variante com objeto indireto (querer a alguém), na modalidade culta formal, sem, no entanto, condenar a outra (querê-la).


14 - Sentar

Sentido: Tomar assento.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Sentar-se à mesa.
Observação: Esta é a sintaxe originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Verbo transitivo indireto
Preposição: Emprega-se também com a preposição "em"
Exemplo: Sentar-se na mesa.
Observação:
- "Sentar em" é um brasileirismo.
- De acordo com Luft, "Em linguagem culta formal, mantenha-se a sintaxe primitiva".


15 - Visar

Sentido: Ter em mira; ter em vista; objetivar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Eles visam a fins nobres.
Observação: Esta é a regência primária, originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como verbo transitivo direto.
Exemplo: Eles visam fins nobres.
Observação:
- É uma inovação regencial sob a pressão semântica de "pretender", "buscar" - verbos transitivos diretos.
- Vários gramáticos e dicionaristas registram esta sintaxe.


16 - De + o/a + substantivo + infinitivo
          ou De + pronome + infinitivo

De acordo com o ensino tradicional: - Não se contrai a preposição e o artigo neste tipo de construção.
Exemplos:
- Há possibilidade de o chefe se atrasar.
- Está na hora de o trem partir.
- Apesar de ele se mostrar indiferente, é muito solidário.
- Isso se deve ao fato de o português ser assim.
De acordo com a realidade lingüística atual: - É natural a contração da preposição com o artigo ou com o pronome.
Exemplo: Está na hora do trem partir.


17 - Entregar a domicílio/Em domicílio

De acordo com o ensino tradicional (regra purista):
• A Domicílio: Com verbos que indicam movimento.
- Exemplo: Ir a domicílio. Enviar encomendas a domicílio.
• Em Domicílio: Com verbos que não indicam movimento.
- Exemplo: Dar aulas em domicílio. Fazer as unhas em domicílio.
De acordo com a realidade lingüística atual:
- Usa-se "a domicílio" em ambos os casos.
Exemplo: Entrega a domicílio.


18 - Complemento comum a verbos de regência diferente

De acordo com o ensino tradicional (regra purista):
• Verbos com regência diferente não podem reger um mesmo complemento. Estariam, pois, erradas as frases:
- Entraram e saíram da sala (entrar em/sair de).
- Compreendeu e participou da alegria do marido (Compreender algo/participar de algo).
- Fui e voltei a Porto Alegre (ir a/voltar de).
• O correto seria:
- Entraram na sala e saíram dela.
- Compreendeu a alegria do marido e participou dela.
- Fui a Porto Alegre e voltei (de Porto Alegre).
De acordo com a realidade lingüística atual:
- Prefere-se a construção simplificada.
Exemplo: Entraram e saíram da sala.

Bibliografia

BARBADINHO NETO, Raimundo. Sobre a norma literária do modernismo. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1977.

LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de regência Verbal. São Paulo, Ática, 2003.

LESSA, Luiz Carlos. O modernismo brasileiro e a língua portuguesa. Rio de Janeiro, Grifo, 1976.



Fonte: www.pucrs.br

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