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O Flamengo é realmente Hexacampeão Brasileiro de Futebol? E o contestado título de 87? Entenda toda essa confusão.

Após o confuso Brasileiro de 1986, que após várias ameaças de paralisação somente seria encerrado no ano seguinte, a CBF assume não ter recursos para organizar o Campeonato de 1987, o que gera uma mobilização dos principais clubes do país, que criam o Clube dos 13, entidade que se propõe a organizar uma competição mais enxuta, envolvendo apenas dezesseis equipes (os treze mais Santa Cruz, Goiás e Coritiba, convidados). A CBF, sem alternativas, cede e permite a realização do campeonato, denominado Copa União. No entanto, com o sucesso do torneio, patrocinado por gigantes como a Rede Globo e a Coca-Cola, a CBF volta atrás e resolve organizar um campeonato com as equipes excluídas da Copa União, e tenta impor, com a competição já em andamento, um cruzamento entre as equipes do torneio do Clube dos 13 (denominado Módulo Verde) com os times do seu campeonato (denominado Módulo Amarelo). A entidade dos clubes se recusa, o que causa uma celeuma que até hoje persiste sem solução definitiva.

Alheios à confusão, os clubes organizam o Campeonato Brasileiro de fato, com uma fórmula bastante simples de disputa. Dezesseis equipes, divididas em dois grupos. No primeiro turno, jogos de uma chave contra a outra, no segundo turno os times de mesmo grupo se enfrentando. Os vencedores de cada grupo nos turnos fariam a semifinal. Caso o mesmo time vencesse a sua chave nos dois turnos, abriria vaga para o segundo colocado. E assim começava a competição.

O Flamengo, que acabava de perder o Estadual para o Vasco, traz o zagueiro Edinho para reforçar a zaga. O atacante Nunes, que se destacara no Atlético-MG, também está de volta ao rubro-negro, para sua terceira passagem no clube. As baixas são o atacante Sidney, o falso ponta Marquinho e Adílio, que após várias contusões é emprestado ao Coritiba. Zico, recuperado de longa cirurgia no joelho, está de volta para comandar um elenco de qualidade, onde se sobressaem Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Andrade, Renato Gaúcho e Bebeto, com os garotos Aílton e Zinho como coadjuvantes.

Antes da estréia, o Flamengo empata com o Bahia em 0x0 em um amistoso e perde o lateral Adalberto, novamente contundido. Com seu reserva, o limitado Aírton, também machucado, o treinador Antonio Lopes improvisa o jovem zagueiro Aldair na posição para a primeira partida, contra o forte São Paulo no Maracanã. Para piorar, Leandro e Edinho estão sem condições de jogo, e são substituídos por Guto e Zé Carlos II. O resultado é desastroso. O time é inteiramente envolvido pelos são-paulinos, e Pita, Silas e Muller deitam e rolam na improvisada defesa flamenga. O Flamengo é sumariamente derrotado (0-2, dois de Muller) e escapa de ser goleado. Aldair, inteiramente envolvido pelo ataque adversário, quase acaba queimado, e somente depois de muito tempo voltaria a ganhar confiança (iria se tornar um dos maiores zagueiros da história do clube). Antônio Lopes não resiste à derrota contundente e perde o cargo. Para seu lugar, Carlinhos assume.

Na partida seguinte, contra o Vasco, Carlinhos saca Nunes do time titular e improvisa Bebeto na função. A zaga titular está de volta. Para a lateral-esquerda, o Violino lança um garoto de 17 anos, chamado Leonardo. O Vasco, que vem de grande vitória sobre o Bahia (3-0, em plena Fonte Nova) e acabara de conquistar o Estadual, é considerado favorito, mas o Flamengo apresenta um futebol rápido, móvel e compacto, e surpreende o rival. Abre o placar com Bebeto, cede o empate em um gol polêmico de Roberto Dinamite (há dúvidas se a bola teria entrado), mas continua buscando a vitória, sendo premiado aos 44’, num pênalti que Zico converte com raiva. O Flamengo se reabilita e vence por 2x1.

A seguir, o time começa a sofrer com problemas de contusões e suspensões, que impedem Carlinhos de escalar sua equipe ideal. A equipe empata com o Santos no Morumbi (0-0), perde para o embalado Internacional (0x2) no Beira-Rio e é derrotado pelo Fluminense (0-1), sempre com desfalques importantes, como Bebeto, Leandro e Zico, sendo prematuramente eliminado do Primeiro Turno. Nos jogos restantes, Carlinhos tenta seguir montando sua equipe, apesar da ausência de Zico, e chega a testar uma formação com Nunes e Kita no ataque, idéia logo abandonada. Ainda assim, o Flamengo vence o Coritiba (3x1) no Maracanã e empata com Goiás (1x1, Serra Dourada) e com o Cruzeiro (0x0, no Maracanã), encerrando de forma modesta sua participação no turno. O campeão do grupo é o Atlético-MG de Telê, o grande destaque da competição, com várias vitórias contundentes e um belo futebol.

Começa o Segundo Turno, e o Flamengo precisa vencer o grupo para seguir na competição. A primeira partida é contra o Botafogo, e Zico ainda está fora. Carlinhos põe Bebeto no meio e Kita no ataque. O time já começa a atuar como o comandante deseja, e com algum padrão de jogo derrota o adversário por 1-0, gol de Jorginho de cabeça. Mas os maus resultados seguintes (empate com o Grêmio, 1-1 no Maracanã, e derrota para o Atlético-MG, 0-1 no Mineirão) ainda trazem incerteza sobre o futuro da equipe.

Até que Zico retorna para o jogo contra o Palmeiras, no Maracanã, num sábado à tarde. Finalmente Carlinhos consegue repetir a formação que atuara tão bem contra o Vasco. O time volta a praticar um futebol fluido, domina a partida do início ao fim e vence por 2x0 (Renato e Aílton), resultado fundamental contra o seu adversário direto pela vaga, numa atuação brilhante de Renato. O irrequieto atacante já chamava a atenção com suas belas exibições. Embalado, o Flamengo vai a Salvador enfrentar o Bahia, que não atravessava boa fase mas era sempre perigoso em casa. E diante de 64 mil torcedores o tricolor baiano realmente deu trabalho ao Flamengo, mas o rubro-negro já iniciava sua arrancada em busca da vaga, e numa excepcional atuação do trio Zico, Renato e Bebeto, venceu por 2x0 (Zinho e Bebeto).

Vem o jogo no Pacaembu contra o Corinthians, que se encontrava em aguda crise, ocupando as últimas posições. Tranqüilo, o Flamengo sabe que um empate não pode ser desprezado. Joga no erro do adversário e o irrita com um toque de bola preciso. Sai na frente com Ailton e vai administrando o placar. Mas o Corinthians chega ao empate já no final da partida, com Marcos Roberto. O Flamengo ainda tem tempo de perder chances claras de gol, uma delas após Andrade dar belíssimo chapéu em Wilson Mano e emendar para o gol, com a bola saindo caprichosamente rente à trave. Mas o empate em 1-1 deixava o clube em ótima situação para a rodada final.

O Atlético-MG vinha com tudo, e caminhava para vencer novamente o grupo, abrindo assim vaga para o segundo colocado, posição ocupada pelo Flamengo, um ponto à frente do Palmeiras. Como o Galo ia derrotando o Palmeiras no Mineirão (1x0, resultado que se manteria até o final), o Flamengo já nem dependia mais do seu jogo contra o Santa Cruz, no Maracanã. Mas os 68 mil pagantes viram mais um show de Zico. Com apenas 1’ de jogo, o garoto Leonardo avança e cruza para o Galinho marcar o primeiro gol. Nem o empate pernambucano, alcançado num gol do meia Cardim, logo depois, desanimou o Flamengo, que a essa altura já sabia do que ocorria em Belo Horizonte. O time pressionava, mas esbarrava na retranca do Santa Cruz, e não queria correr maiores riscos. Até que, aos 34’ já da segunda etapa, chega ao segundo gol, com Zico, cobrando pênalti e colocando o Maracanã em festa. Pouco mais tarde, o Galinho cobra uma falta com precisão quase inverossímil, marcando seu terceiro gol e selando a vitória por 3x1 que dava ao Flamengo a vaga nas Semifinais. Justamente contra o Atlético-MG.

Telê Santana vinha fazendo um excepcional trabalho à frente da equipe mineira. Mesclando os experientes João Leite, Luisinho, Renato e Marquinho (ex-Flamengo) com os garotos Éder Lopes, Marquinhos, Vander Luís e Sérgio Araújo, Telê conseguia armar uma equipe compacta, técnica e muito veloz, com contragolpes irresistíveis. Com isso, vinha invicta na competição e era apontada por todos os meios de comunicação como a favorita disparada ao título. Mas no meio do caminho havia o Flamengo.

A primeira partida foi no Maracanã. O Galo tinha a vantagem de poder liquidar a fatura com uma vitória simples. Outro resultado obrigaria a realização de nova partida, dessa vez no Mineirão. Com a imensa vantagem, o time mineiro soube aproveitar as circunstâncias da partida e explorar o nervosismo do Flamengo, que hesitava entre partir com tudo em busca da vitória ou evitar a derrota fatal. A multidão de quase 120 mil torcedores se limitava a soprar ensurdecedores apitos quando a bola estava com os mineiros, mas estava tensa. E o Atlético foi perdendo um gol atrás do outro, muito em função de uma tarde muito feliz do goleiro Zé Carlos, que estava pegando tudo. Zé Carlos vinha em fase excepcional, já havia tido outras ótimas atuações, mas nesse confronto do Maracanã o goleiro estava num dia particularmente iluminado, a ponto de desanimar os atacantes adversários com suas defesas. O tempo ia passando, e o Flamengo começava a se soltar. Até que, aos 33’ do segundo tempo, Zico descobre Bebeto livre, e o baiano (que estava mal no jogo) erra o chute, mas a bola mascada engana João Leite e entra no gol. Flamengo 1x0, para delírio da torcida rubro-negra. A vantagem estava invertida.

Mas o Atlético ainda era o favorito, pois jogava por uma vitória simples no Mineirão, onde derrotara todos os adversários de fora de Minas Gerais (exceto o Internacional). Sabendo que o time mineiro viria com tudo para o ataque, Carlinhos prepara uma armadilha e põe o Flamengo na frente, com marcação adiantada, como se estivesse no Maracanã. A postura rubro-negra desnorteia o adversário, e o Flamengo passa a dominar amplamente o jogo. E chega rapidamente a abrir 2x0, com gols de Zico e Bebeto. Logo depois, o lateral Paulo Roberto acerta violento pontapé em Zico e é expulso, o que revolta os 85 mil torcedores presentes. 

Objetos são atirados nos jogadores (o lateral Leandro Silva, que substituía Jorginho, é atingido por uma pedrada), o campo é invadido e o jogo paralisado. Após muita confusão, a partida é reiniciada e o Flamengo começa a desperdiçar inúmeras oportunidades claríssimas de gol. A displicência rubro-negra faz o Atlético renascer, e aos 15’ di segundo tempo o lateral Chiquinho converte um pênalti que incendeia o Mineirão. E o estádio vai abaixo apenas quatro minutos depois, quando Sérgio Araújo faz o gol de um empate que parecia impossível. Para piorar, Zico sente o joelho e sai de campo, esbravejando com as chances perdidas. Carlinhos fecha o time, tira Bebeto e põe o volante Flávio. Apesar da intensa pressão da torcida, o Atlético-MG não consegue articular ataques sólidos, sente a ausência de um homem. 

O time mineiro vai ao desespero, avança todos os homens, e essa é a senha para Henágio (o substituto de Zico) roubar uma bola no meio e passar a Renato, que avança sozinho, engatando uma arrancada impossível de ser detida. Renato dribla João Leite, toca para o gol vazio e sai provocando a torcida mineira e o seu desafeto Telê (que o cortara da Copa do Mundo em 1986). Depois, o Flamengo simplesmente passou a tocar a bola enquanto o tempo passava. 

Final, Flamengo 3-2 e a indiscutível vaga para as Finais, após duas vitórias sobre o outrora bicho-papão mineiro.

A Final do Campeonato seria disputada contra o Internacional, que ao contrário do Atlético garantira sua vaga no primeiro turno e resolvera poupar jogadores no segundo, atitude que gerou críticas de seus torcedores. De qualquer forma, o colorado tinha uma equipe perigosa, que marcava muito forte e jogava um futebol onde a força física de jogadores como Norberto, Amarildo e Brites era harmonizada com o talento e a técnica de Luís Fernando, Hêider e do zagueiro Aloísio. No gol, Taffarel era um dos destaques da competição, com atuações muito seguras.

A primeira partida foi disputada no Beira-Rio. Cauteloso, o Flamengo não deu espaços ao adversário, procurando dar-lhe a iniciativa do jogo e buscando explorar seus contragolpes, aproveitando-se da ótima forma de Renato. O estratagema deu certo, e o time chegou ao primeiro gol aos 30’, com Bebeto aproveitando cruzamento justo de Renato. Mas o Inter saiu com tudo, e dois minutos depois empatou, num belo gol de Amarildo. O Flamengo voltou a retrair seu time, esperando os ataques do Inter, mas a equipe gaúcha não conseguiu superar o bloqueio rubro-negro e a partida terminou mesmo em 1-1. Agora, a parada seria definida no Maracanã.

Um dilúvio ocorrido horas antes da partida quase cancela o jogo, mas o árbitro José de Assis Aragão julgou que havia condições para a bola rolar. Mesmo com o temporal, 90 mil pessoas foram ao estádio vibrar pelo Flamengo. O campo enlameado teoricamente dava vantagem ao Internacional, time acostumado a atuar fora de casa, como mostra a vitória conseguida nas Semifinais, 1-0 contra o Cruzeiro num Mineirão lotado. 

Mas os jogadores rubro-negros encheram-se de raça e na base do abafa passaram a sufocar o time gaúcho, perdendo várias chances de gol. Mas aos 16’, Renato vai atrás de uma bola perdida e cruza, a bola é rebatida e vai de pé em pé, até que Andrade acha um espaço e lança Bebeto. O baianinho chega antes de Taffarel e faz aquele que seria o gol da vitória. O Internacional ainda tenta, procura alçar várias bolas na área rubro-negra, mas a zaga está segura e Zé Carlos não comete uma única falha. 

O Flamengo ainda tem oportunidades de ampliar, mas no final o jogo termina mesmo em 1x0, resultado que vale o inédito tetracampeonato nacional e a conquista da hegemonia em títulos brasileiros para a equipe. Um campeonato que teve a marca da esperteza de Carlinhos, da classe de Andrade, das defesas de Zé Carlos, dos gols de Bebeto (que marcou em todos os quatro últimos jogos), das arrancadas de Renato, mas principalmente da maravilhosa superação de seu ídolo maior, o craque Zico, que novamente punha o Flamengo no topo do país. 

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