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Falando sobre Língua Portuguesa

1.     Sito À ou NA Avenida Paulista
O uso das preposições sempre dá muita dor de cabeça.
Já sabemos que se entrega alguma coisa (=objeto direto) a alguém (=objeto indireto): “O rapaz entregou os documentos ao diretor”. Quando nos referimos ao lugar da entrega, devemos entregar “em algum lugar”. Assim sendo, as entregas devem ser feitas “em domicílio”, da mesma forma que faríamos as entregas “em casa, no lar, no escritório, no quarto do hotel, no apartamento 209”.
Com os verbos morar, residir, situar e com os adjetivos residente e domiciliado, também devemos usar a preposição “em”. Quem mora sempre mora “em algum lugar”; quem é residente e domiciliado é residente e domiciliado “em” algum lugar.
Em linguagem “cartorial”, é frequente lermos coisas do tipo: “Fulano de Tal, residente e domiciliado à Rua das Palmeiras”; “Dr.Beltrano de Tal, com escritório sito à Avenida Paulista…”
Se, em vez de rua ou avenida, tivéssemos um substantivo masculino, ninguém diria: “Fulano de Tal, residente e domiciliado “ao” Beco das Garrafas”; “Dr. Beltrano de Tal, com escritório sito “ao” Largo do Machado…”
Se o Fulano de Tal é residente e domiciliado “no” Beco das Garrafas e se o Dr. Beltrano de Tal tem escritório sito “no” Largo do Machado, por uma questão mínima de coerência, o primeiro deve ser residente e domiciliado “na” Rua das Palmeiras e o outro deve ter escritório sito “na” Avenida Paulista. E, para ficar melhor ainda, em vez do “burocrático” sito, use “situado na Avenida Paulista”. É correto e muito mais simples e claro.
Outro exemplo de “burocratês” é o tal de “à folhas 23 e 24”. Primeiro, o uso do acento indicativo da crase não se justifica, pois certamente não há artigo definido. No mínimo, deveria ser “às folhas 23 e 24”. Melhor seria “nas folhas 23 e 24”.
E, pior ainda, é “à folhas 23”. Nesse caso, não há defesa. Não seria mais simples dizer “na folha 23”?

2.    A preposição esquecida
Todos vocês, provavelmente, foram obrigados a decorar uma famosa lista: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre…
Se isso já faz muito tempo, eu refresco a sua memória: são as preposições.
É bom recordar, porque muita gente boa deve ter esquecido as coitadinhas.
Alguns confundem “com” e “contra”. Você sabe quando é que o Flamengo vai jogar com o Vasco? Nunca! Eternamente um jogará contra o outro. Num jogo de tênis, se o Gustavo Kuerten jogar com o Fernando Melligeni, é jogo de duplas; se o Guga jogar contra o Melligeni, é jogo de simples. Eles serão adversários.
Há quem confunda sob (embaixo) e sobre (por cima). Uma lágrima só correrá “sob a face” se for um “choro interno”. Certamente a lágrima correrá sobre a face.
Há, ainda, aqueles que simplesmente ignoram a preposição “a”. Temos uma propaganda em que a loja oferece para seus fregueses “cheques só para daqui 45 dias”. Frase sem preposição merece cheque sem fundos. Devemos dizer “daqui a 45 dias”. É o mesmo caso de “de hoje a uma semana”, “de janeiro a dezembro”. Portanto, o cheque deve ser para “daqui a 45 dias”.
Outro caso em que a preposição “a” está definitivamente esquecida é o famoso “lava jato”. Nesse caso, de duas, uma: ou “lava a jato” ou criamos um novo substantivo composto “lava-jato” (necessariamente com hífen).
E por fim o caso do “vivo”, que podemos observar no canto da telinha quando temos uma transmissão “ao vivo”. Ora, se a transmissão é sempre ao vivo (nenhum canal de televisão transmite “vivo”), de onde saiu a mania de usar somente “vivo”?
Alguns alegam problema de espaço na telinha. Não acredito. Para mim, deve ter sido mais uma “macaquice” nossa, mais uma imitação dos modelos americanos. Se eles usam simplesmente “live”, que fizemos nós? Trocamos o correto “ao vivo” pelo questionável “vivo”.
Pelo menos a Rede Globo, devidamente alertada, e depois de muito sofrimento, timidamente começa a mudar. Já tivemos a oportunidade de ver o “ao vivo” em algumas transmissões recentes.
Temendo pela extinção, é bom lançarmos uma nova campanha: “Salvem as preposições”.

3.    DELE ou DE ELE?
Não há dúvida alguma: eu cheguei antes dele, eu gosto dele e o livro é dele.
A polêmica surge quando “eu chego antes DELE ou DE ELE sair”. De acordo com a gramática normativa, a forma “dele” não pode ser sujeito da oração, porque não há “sujeito preposicionado”. Assim sendo, se houver após o “dele” um verbo no infinitivo, devemos separar a preposição do pronome na função do sujeito: “Eu cheguei antes DE ELE sair”.
Essa regra, entretanto, não é rígida. No Brasil, não há dúvida de que a forma mais usada é “cheguei antes dele sair”. É assim que a maioria dos brasileiros fala. O mestre Adriano da Gama Kury, entre outros estudiosos ilustres do nosso idioma, considera a forma preposicionada (=cheguei antes dele sair) uma variante linguística válida.
É o mesmo caso de “está na hora da onça beber água”. Diz o mestre Evanildo Bechara: “A lição dos bons autores nos manda aceitar ambas as construções, de a onça beber água e da onça beber água”.
Por outro lado, é importante observar que, em geral, os concursos públicos exigem a forma tradicional: “Cheguei antes de ele sair”; “Está na hora de a onça beber água”.
O mesmo se aplica à contração da preposição com o artigo: “O bando invadiu o Banco do Brasil antes de a agência abrir”; “O diretor viajou para Brasília apesar de a reunião ter sido transferida”; “A possibilidade de os políticos não aceitarem o projeto é muito grande”…
Resumindo: o segredo para a separação da preposição do artigo ou do pronome é a presença do verbo, sempre no infinitivo.

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